15 junho 2016

pare e respire #23 - despertencimento

O dia dos namorados passou e este blog, dedicado a presentes e afins, não teve um único post dedicado ao assunto. Desde o dia das mães percebi essa lacuna que se formou nas datas que são comemoradas em dias diferentes no Brasil e em Portugal. A lacuna não fica apenas no blog, mas ressoa especialmente em mim. Começa a parecer estranho comemorar o dia dos namorados em um dia em que ninguém pensa nisso. Mas ainda é muito mais estranho comemorar no dia 14 de fevereiro, dia que faz sentido para todos ao meu redor, mas não para mim. Não que seja tão importante assim não comemorar datas comerciais. Apenas observo o que isso reflete. Parece que, após dois anos habitando terras lusitanas, começo pouco a pouco a me desgarrar das tradições brasileiras, sem efetivamente me apropriar das tradições locais, o que me coloca em um estado interessante que eu gosto de chamar de despertencimento.


Pode parecer difícil, até mesmo doloroso, essa coisa de despertencer, porque nos tira da familiaridade, do que é conhecido e do que julgamos fazer parte de nós. É o momento fugaz (e, se não estivermos atentos, imperceptível) em que deixamos de ser o que éramos, de acreditar no que acreditávamos, mas ainda não sabemos o que exatamente iremos nos tornar ou no que passaremos a acreditar. Por isso, carrega também um quê de liberdade, É como se fosse uma chance de escolher novamente as ideias, crenças e atitudes que constituem nossa maneira de estar no mundo. Pode ser visto como uma perda ou como um privilégio, dependendo do nosso olhar (ou da tpm!).


Despertencer é, em essência, um exercício de desapego. Para alguns é até fácil abrir mão de objetos ou lugares. Mas o que fazer quando estamos falando da nossa história? Ou das nossas ideias, propósito, projetos? Ou das pessoas? O que fazer quando percebemos que é hora de despertencer de um relacionamento, seja ele amoroso ou de amizade? Estas possibilidades são constantemente colocadas diante de nós, e são tão claras ou turvas quanto permitirmos que sejam. No fundo, sabemos a hora exata de despertencer. Percebemos quando acontece, aquele momento efêmero em que é possível ver que tudo mudou.


Mas... (tem sempre um mas!) despertencer é desconfortável. É incômodo, trabalhoso, muitas vezes embaraçoso ou inoportuno. Somos psicologicamente vinculados àquilo que acreditamos que somos e às relações que acreditamos que precisamos. Transformar isso pressupõe uma força que aparentemente dirigimos contra nós mesmos. Tudo para jogar por terra aquilo que parece que passamos a vida inteira construindo, que é a sensação de fazer parte de algo, de um meio ou da vida de alguém. Parece contraprodutivo, e é! Só que no meio desses caquinhos está a oportunidade única de deixar para trás o que não deveria estar ali, o que serviu mas já não serve mais, o que pesa. Despertencer... e escolher a si mesmo mais uma vez!





16 comentários:

  1. Olha Rosa, acredito mesmo que deve ser trabalhoso e incômodo esse despertencimento. Mas também acredito que é um movimento que, ainda que involuntário, faça parte de nossa evolução, que seja parte de um encerramento de ciclo e o início de um novo.

    Vivemos muitas vidas em uma só, e não dá para ser o mesmo o tempo todo. Precisamos sempre de mudanças.

    :**
    Amei as imagens, condizem com todo esse momento reflexivo que trouxe à postagem.

    ResponderExcluir
  2. Sei que é estranho, mas associei logo ao tema o mecanismo da reações químicas. A questão de primeiro se quebrarem as ligações dos reagentes para que se formem novas... E tens razão, pode ser desconfortável, mas na origem do progresso está muitas vezes o desconforto. É uma boa oportunidade para construir uma vida realmente tua :)

    ResponderExcluir
  3. Identifiquei-me demais com o texto, não é fácil desprender-se ou despertencer-se a algo ou alguém . Na verdade, acho que nada na vida nos pertence, só tomamos emprestado, mas como deve ser dolorido, cortar esse apoio, esse amor, esse laço. Falo das raízes , uma vez que você deixou seu país e está em outro. Interessante saber sobre isso, seus sentimentos e do modo que os conduz tão lindamente.Aprendi um pouco mais sobre isso.

    Bjinhos e um boa tarde,
    Blog: DMulheres
    Instagram : @dmulheres

    ResponderExcluir
  4. Parece até que fui eu quem escrevi o post.
    Vivo na mesma condição, em outro país, mas ando me desvinculando de muita coisa (e pessoas) ultimamente. Apesar de doloroso ( terminei uma amizade há pouco tempo que foi mais difícil que terminar namoro na minha vida) é muito esclarecedor.
    É bom aprender a separar o que não precisa, o que faz bem e o que não faz falta nenhuma.

    Amei as imagens. Combinam com o contexto perfeitamente.♥

    ResponderExcluir
  5. Rosa,

    Entendo o que você diz, mas acho que esta transição só seria dolorosa para mim se a minha mudança tivesse sido contra a minha vontade, em uma situação adversa ou coisas assim.

    Sendo planejada e para melhor, acho que me adaptaria muito bem. Nunca gostei do Brasil, nunca me senti em casa aqui, não tenho amor pelo país, pelas tradições, nada. É aqui que me sinto como uma estrangeira. Tenho até vergonha em me identificar como brasileira quando viajo.

    Tenho planos de ir embora, com alguns países de preferência em mente. Quem sabe um dia dê certo?

    Lindas imagens e lindo texto!

    ResponderExcluir
  6. Apesar de não ter mudado de País mas apenas de zona, também sinto isso. Em vez de passarmos a ser de dois sítios, parece que passamos "a ser de nenhum"...

    ResponderExcluir
  7. Olá Rosa, e quando vivemos num país, nascemos nele, mas fomos criados com as tradições de outro? acabamos por não pertencer a lado nenhum, e concordo, é muuuito desconfortável. Ser metade isso, metade aquilo, acabamos por ser coisa nenhuma! ou por sermos uma grande confusão! bj, bom fim de semana!

    ResponderExcluir
  8. Lindo post e intercalado com fotos inspiradoras, parabéns.
    Beijos
    www.denosdois.weebly.com

    ResponderExcluir
  9. Oi Rosa,
    seu post me fez pensar. Não sei se lidaria bem com este despertencimento!
    Bjs
    gosto-disto

    ResponderExcluir
  10. Ola Rosa.

    Voce descreveu muito bem o sentimento, e oportunidades, de quem passa a viver o dia a dia em uma cultura diferente.

    Oh, I'm so sorry for Louise, I do hope she feels better soon.
    My prayers are with her.

    ps.: desculpe-me pelo portugues sem acentos, mas o computador que estou usando nao reconhece acentos ortograficos :(

    ResponderExcluir
  11. Ola Rosa.

    Voce descreveu muito bem o sentimento, e oportunidades, de quem passa a viver o dia a dia em uma cultura diferente.

    Oh, I'm so sorry for Louise, I do hope she feels better soon.
    My prayers are with her.

    ps.: desculpe-me pelo portugues sem acentos, mas o computador que estou usando nao reconhece acentos ortograficos :(

    ResponderExcluir
  12. Olha só, é bem verdade! Tem horas que isso me incomoda, viu? Principalmente quando outros me cobram. Estava escutando uma emissora de rádio brasileira bem na véspera do dia dos namorados e como me irritou aquela melação hahaha Vai dar o que para o namorado, marido, ficante? Ahhh não tem namorado, que triste...corte os pulsos! hahaha
    E imagina, daqui uns dias é dia de São João! Pula a fogueira! rs
    Um beijo...e realmente é melhor despertencer do que sofrer por algo inalcansável!

    ResponderExcluir
  13. Rosa, quanta verdade nessa sensação de despertencer, de não ter como se identificar, aqui ou acolá. Já senti isso muito mais forte, hoje já está mais brando, consigo me identificar mais, já não entro em choque.
    Você colocou muito bem esse assunto, parabéns!
    Feliz final de semana, abraços carinhosos
    Maria Teresa

    ResponderExcluir
  14. Querida, como eu lhe entendo. ..11 anos morando na Europa, nunca voltei ao Brasil, 2 anos de Portugal e 9 de Bélgica. Comentava isto com uma amiga à poucos dias.Tudo tem o lado positivo e o despertecer nos torna exatamente o que somos na essência.Algo interessante que vivo todos os dias que é a maneira que me tratam cá na Bélgica :madame Lima.No Brasil somos a filha de fulana, esposa de fulano, dona de....Cá simplesmente somos nós mesmos. Uma excelente reflexão, amei, beijinhos

    ResponderExcluir

♥ Theme por Designing Dreams © 2015 • Powered by Blogger • Todos os direitos reservados •Topo
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...