Eu
costumava dizer que quando eu era “jovem” meu corpo não sentia
nada. Aprendi que menstruação – essa palavra pouco falada e pouco
vivida apesar de fazer parte da vida de todas as mulheres - era
apenas um percalço, um incômodo de três dias para o qual não
se devia dar grande atenção. Hoje, quando ela chega, as pernas pesam, as costas doem,
o corpo pede um outro ritmo. E eu dou. Acho que o corpo sempre pediu
um outro ritmo, mas eu não tinha ouvidos para ouvir. Ou tempo para
dar. Estava muito ocupada me tornando quem eu sou, escavando os
espaços do lado de fora que me permitiriam ser gente do lado de
dentro. Estava sempre correndo em um movimento contínuo, meio
atordoada, meio excitada por tanta reviravolta e loucura no mundo. Eu
não tinha tempo de ouvir o meu corpo pedir calma. Mas agora eu
tenho. Porque depois de olhar o mundo lá fora e levar os anos que
todo mundo leva para entender que correr demais só vai te atrasar
para o encontro consigo mesma, eu parei para ouvir o meu corpo
pedindo pernas pro ar, ritmo mais lento, sono mais profundo, horas de
ócio não necessariamente criativo e certamente nada produtivo.
Eu tenho
a sorte de ter nascido fêmea (essa outra palavra pouco falada e
pouco vivida apesar de fazer parte da vida de todas as mulheres). E
fêmea tem ciclos. E precisa aprender a seguir esses ciclos e suas
demandas, entender o tempo das coisas e do ser. A hora de se recolher
pode ser a mais difícil. É um aprendizado longo, mas valioso, esse
de entender o nosso ritmo, o nosso corpo, e deixá-lo se manifestar
de uma maneira própria em um mundo que padroniza o que pode, e o que
não se encaixa é deixado à margem – vira marginal.
Guardo
com carinho a lembrança do dia em que recebi um poema da Marina
Colasanti* em um papel colorido há mais de 20 anos. Pela primeira vez eu conhecia alguém
que enxergava beleza e poesia na menstruação. O que eu senti não
foi um estalo, um insight, mas algo que percebo hoje como o início
de uma longa jornada de reconhecimento de mim mesma como mulher, uma
fêmea com seus ciclos. Hoje meu feminino fala e eu escuto. Às vezes
quero me fazer de surda, às vezes ponho outra música por cima para
abafar o que está sendo dito, mas no fim me rendo a mim mesma e ouço
com inteireza as verdades do corpo de uma mulher que, agora eu sei,
sempre achou bonito menstruar.
*Eu
Sou uma Mulher -
Marina Colasanti
Eu
sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar
que sempre achou bonito
menstruar
Os
homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em
nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d'água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d'água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso
sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O
sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
O
nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
Eu
sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.
Rosa,
ResponderExcluirNunca mesmo parei para pensar como o nosso corpo pede descanso nessa parte da vida que a gente menstrua. E o corpo pede calma e descanso mesmo. E linda esse poema, não conhecia! Bem interessante mesmo.
Beijos
Adriana
Gostei imenso do seu texto, dessa necessidade imperiosa de escutar a voiz do corpo. Já, relativamente ao poema, não. Não vejo beleza no ato de menstruar. Não consigo. É incómodo tão excessivo que me repugna e atormenta. Limitação minha, seguramente! Mas também sinceridade absoluta!
ResponderExcluirBeijo da Nina
A vida da mulher é recheada de fases, quando mais velhas, com a chegada da menopausa, o próximo passo que seu corpo dará, vc vai ver como tudo muda, seu corpo vai pedir outro ritmo haverá novos aprendizado corporal e desafios. Eu estou maluca com os calores, nossa quase insuportáveis. Mudar faz parte da nossa essência feminina.
ResponderExcluirbjs
Eu acho que podia ter outro sistema. Assim como a Nina, não vejo nada de prático, rs... talvez pelo que a sociedade impõe não nos permitindo parar para estes dias. Temos que fazer de conta que nada está acontecendo. Que crueldade, não é mesmo? E olha que eu sofri muito quando mais nova. Mas enfim, entendo o argumento da poesia, sim...é uma mensagem bonita, afinal geramos e carregamos a vida em nós! Bjs
ResponderExcluirAi, que bonito! Nunca tinha pensado dessa forma! Graças a Deus alguém pensou...
ResponderExcluirBjs
Olá Rosinha!
ResponderExcluirMuito bom o seu texto! Dá que pensar::: Beijinho
Olá Rosa!
ResponderExcluirQue texto lindo! Parabéns! Estava aqui acelerada, tentando fazer mil coisas e de repente vejo esse texto seu. Ao ler, minha respiração foi acalmando e por um momento esqueci das mil coisas que tenho que entregar essa semana, e percebi que estou dando uma de surda. Não quero escutar, que ainda é terça e já estou exausta! Haha.
Perfeita essa parte:
Estava muito ocupada me tornando quem eu sou, escavando os espaços do lado de fora que me permitiriam ser gente do lado de dentro. Estava sempre correndo em um movimento contínuo, meio atordoada, meio excitada por tanta reviravolta e loucura no mundo. Eu não tinha tempo de ouvir o meu corpo pedir calma. Mas agora eu tenho. Porque depois de olhar o mundo lá fora e levar os anos que todo mundo leva para entender que correr demais só vai te atrasar para o encontro consigo mesma..."
Adorei! Namstê!
Thamyrez