Sempre
fui amante de palavras e significados. Tenho mania de procurar no
dicionário palavras conhecidas apenas para me perder nos seus
inúmeros sentidos, nas suas origens e usos. Adoro palavras que
derretem na boca, que me fazem sentir dentro de um sonho, que
teoricamente são as mesmas que se encontram disponíveis a todos,
mas que nas mãos de alguns transformam-se em matéria-prima de
teletransporte para outro universo, em sentimentos que a gente nem
sabia que tinha, em suspiros ou lágrimas, em obra de arte.
Ontem
conheci o trabalho da artista britânica que Marija Tiurina, que
ilustrou lindamente palavras que não têm tradução em vários
idiomas. E a língua portuguesa tem o seu representante por lá. Não,
não é saudade. A palavra escolhida foi cafuné.
Cafuné
faz parte do universo de qualquer brasileiro, toda criança sabe o
que é um cafuné! Me dá um certo prazer pensar que essa palavra
seja só nossa, em sua singeleza e amorosidade, e que talvez ela se
espalhe um pouco pelo mundo, como aconteceu com a palavra saudade. Gosto de pensar que ela reflete um pouco da alma brasileira no que ela tem de mais bonita; no que é aconchego, carinho, cuidado, atenção. Um gesto que traduz amor e que é intraduzível para outras culturas, por isso tem que seguir pelo mundo sem se despir da sua identidade brasileira. É romântico, utópico e parcial, mas de que adiantam tantas belas palavras se elas não puderem trazer um pouquinho de sonho e poesia para a realidade?
Ao
observar todo o projeto, me deu uma certa inveja do espanhol por ter
uma palavra que significa o misterioso poder que uma obra de arte tem
de nos tocar profundamente. Diversas vezes estive emocionada diante
de um trabalho e acho fascinante que agora eu tenha um nome para dar
a esse sentimento (sim, eu vou me apossar dessa palavra): duende.
Em um mundo tão
centrado em imagens como o de hoje, muitos já decretaram a morte da
escrita e das palavras, mas eu sigo me maravilhando com esse universo
e sinto que ele pulsa hoje mais do que antes. Hoje eu tenho acesso a
mais textos bem escritos do que antes, porque o grande artista está
disponível a um clique mesmo que ele ainda não seja grande, mesmo
que as editoras não se interessem, as palavras pulsam em novas
combinações, em novos formatos, em apropriações muito pessoais e
seguem deslumbrantes.
Uma quarta repleta de
belas palavras para você!
♥
PS: para o título desse post veio a dúvida: "intraduzível" realmente existe em português? O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa disse que sim e eu acredito! Mas o fato é que, mesmo se não existisse oficialmente, você teria entendido o que eu queria dizer com ela! Ah, a beleza das palavras...
Também gosto muito das palavras e o seu significado. O meu filho mais novo, quando era mais pequenino inventava muitas mas dava para perceber sempre o que queria dizer, era uma mistura de ideias que descreviam exatamente o que ele pretendia. Pena ter perdido isso...é sinal que já sabe as palavras corretas, mas era tão giro :)
ResponderExcluirQue lindo Rosa... antes de terminar de ler o post dei uma paradinha para clicar no link e ver as outras ilustrações - adorei o trabalho dela.
ResponderExcluirAh! Qto ao título... acho que como arteiras temos liberdade para criar... =)
Beijos,
Rosa,
ResponderExcluirque coisa mais linda o seu post. Amei saber que cafuné é uma palavra só nossa. E como é gostoso um cafuné de vez em quando. E as ilustrações são lindas! Adoro também conhecer as palavras e saber os seus significados.
Beijos
Adriana
Oi Rosa,
ResponderExcluirAdorei o post. Para nós, duende tem um significado bem diferente do espanhol, mas ainda assim te um elo de mistério.
Bjs
Olá Rosa, adorei o conteúdo do post assim como o seu texto, magistralmente escrito, ou, descrito. Gosto de palavras também. Tenho 2 preferidas e com o David, "brincamos" muitas vezes de achar sinónimos. Sim, adoro sinónimos, outra forma de dizer a mesma coisa, ou quase a mesma coisa.
ResponderExcluirA palavra escolhida para o português, ou português do brasil, não poderia ser melhor, pelas razões que vc tão bem explica. Quando leio Jorge Amado, são tantas as palavras intraduzíveis, que sempre me perguntei como fazem com as versões estrangeiras. E sempre chego à conclusão do privilégio que temos de poder ler Jorge Amado na língua original. Um belo post! bj
Olá, Rosa Paula,
ResponderExcluirGostei deste post, que revela - mais uma vez - que temos coisas em comum, como o gosto por dicionários e palavras, rsrs. Eu havia visto algo sobre este trabalho da Marija Tiurina, no Facebook e já o tinha achado bacana. Não é a primeira vez que alguém faz um dicionário com imagens, aqui em casa tem um (em inglês) bem antigo. Mas o trabalho dela é artístico e gracioso. É tão bom ter uma palavra específica para tudo, né? Cafuné e saudades são dois exemplos de boas palavras, mas, realmente, nos falta uma que equivalha à espanhola "duende", rsrs.
Por falar em palavras, acho que você vai gostar do Em busca do tempo perdido, que foi a tentativa do Marcel Proust de reconstruir o mundo que ele conheceu, com palavras. Só esta intenção eu já acho uma empreitada artística ambiciosa, rsrs. Mas tem também a estória, todas aquelas pessoas mostradas do jeito que ele as viu... acho muito interessante. Mas é uma obra extensa, que requer determinação e ... "fôlego", rsrs.
Um beijo